A chave da fechadura é rodrigueana

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura? Realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico".



Nasceu no Recife, no dia 23 de agosto de 1912, um pernambucano que abriu as modernas cortinas do teatro para marcar o placar do futebol e estrear no cenário da política, da ópera e das manchetes policiais. O precoce colunista e romancista foi pai da dramaturgia brasileira e autor de renomados dramas com linguagens simples, carregados de tragédia e humor. O jornalista Nelson Falcão Rodrigues é um dos ícones multiculturais da “pernambucanidade”. O filho de Mário e Maria, quinto de uma prole de quatorze filhos, é titular de uma biografia talentosamente versátil. Um Nelson entre tantos outros, foi, polêmico, pródigo e poético. Um tricolor e frasista que emplacou sua eternidade aos 68 anos de vida com o legado da “Vida como ela é”...

 Criado no Rio de Janeiro, o conservador e revolucionário Nelson, sofreu as marcas da censura e não se deixou censurar. Após 1940, algumas de suas peças foram definidas como gênero trágico da moralização, embora liberadas nos anos 60. Entre elas; Álbum de Família, Anjo Negro, Dorotéia e Senhora dos Afogados. Múltiplas interdições e mais de 147 processos alimentaram o sarcasmo do autor. A obra rodrigueana é o cartaz da fidelidade à imaginação do multiartista, inédita e particular. A prosa realista do escritor criticava a sociedade de forma original, por isso suas ficções se tornaram atemporais.

 Nelson foi o narrador da face brasileira, da ditadura imposta, da adversidade vital. O autor adaptou a tragédia grega para a sociedade carioca. Na coxia da vida, o universo de Rodrigues era envolto ao erotismo e a morte. Peças, contos, crônicas, teatros, novelas, filmes, frases e artigos de jornais eram adaptados a uma série que marcaram a vida do dramaturgo. Ele enfrentou graves doenças, falecimento de familiares, pobreza, separação, nascimento da filha cega e prisão do filho. E mesmo diante a tantas adversidades afirmou, “Quem nunca desejou morrer com o ser amado nunca amou e nem sabe o que é amar”. Reafirmo!

 O provocante e ilustre observador das ruas, do famoso cotidiano, foi um grande jornalista. O homem que falava do amor em crônicas policiais se tornou imortal. Os anos de Nelson serão datados na eternidade pela inverossímil história que deixou ao Brasil. A família Rodrigues, seu pai Mário e seus irmãos (Milton, Joffre, Mário Filho e Roberto) registraram um grande marco na história de alguns jornais, como; O Crítica, O Globo, Diários Associados, O Jornal de Assis Chateaubriand, A Última Hora e o Jornal Correio da Manhã. Assim como as crônicas esportivas de Nelson Rodrigues que marcaram o futebol brasileiro através da paixão pelo futebol e pelo clube carioca fluminense. Rodrigues deixava claro sua paixão pelo Flu-Fla, “Time tricolor só tem um, o resto tem três cores”.

 O intelectual da poesia realista não se candidatou a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras devido ao precário estado de saúde. Porém, deixou consagrado seu estilo distinto através de uma nova ótica contemporânea sobre o romantismo. Nelson se tornou influência literária, refletindo a realidade nua e crua da sociedade com o vocabulário popular. Em 1980, o pai de Joffre, Nelson, Maria Lucia, Paulo César, Sonia e Daniela, faleceu por causa dos problemas provenientes da tuberculose. Enterrado com a bandeira do fluminense recebeu de sua esposa Elza a realização de seu pedido. Gravou seu nome ao lado do nome dela na lápide do túmulo com a frase: “Unidos para além da vida e da morte e é só”. O menino que vê o amor pelo buraco da fechadura deixou sua ótica ficcionista para uma visão da realidade. Viva Nelson!

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